Tribunal norte-americano obriga rede social a divulgar identidade de utilizadores anônimos
O direito a falar anonimamente é protegido constitucionalmente nos EUA. Excepto se usado de forma difamatória. Há sete críticos do Yelp que, pelos seus comentários, arriscam ser expostos e processados.
A distinção é ténue: uma crítica negativa feita por um cliente anónimo na página de uma empresa numa rede social é aceitável nos EUA, onde a Primeira Emenda da Constituição protege o direito dos cidadãos a comunicar sem revelar a identidade; uma crítica negativa feita por um utilizador anónimo na página de uma empresa da qual não foi cliente é crime.
Ténue e, aparentemente, clara. Todavia, no estado da Virgínia está a decorrer um processo legal que levanta algumas dúvidas sobre a forma como a justiça deve actuar nestes casos. Em causa estão os comentários de sete utilizadores do Yelp que, sob pseudónimo, escreveram negativamente nesta rede sobre os serviços de uma empresa de limpeza de carpetes.
A empresa – a Hadeed, que opera em Alexandria, naquele estado norte-americano – entende que os comentários feitos por esses utilizadores são difamatórios por não conseguir identificar os autores como seus clientes. O que seria de esperar: quem usaria um pseudónimo para pôr as carpetes a lavar? Mas, sendo assim, como é possível saber que os comentários são legais?
O caso chegou ao Tribunal de Recurso da Virgínia que decidiu, nesta terça-feira, obrigar o Yelp a divulgar os nomes por detrás dos sete pseudónimos. A rede social – que funciona como uma comunidade de recomendações de serviços locais, tem 117 milhões de utilizadores e chegou recentemente a Portugal – recusa-se a fazê-lo e já anunciou que irá recorrer da sentença.
O Supremo Tribunal da Virgínia terá a próxima palavra. O advogado do Yelp, Paul Levy, questiona as decisões das duas instâncias por que o caso já passou (ambas deram razão à Hadeed) por os tribunais estarem a inverter o ónus da prova em relação ao que tem sido a prática noutros estados, nos quais o queixoso tem de provar a falsidade das afirmações anónimas.
“Eles não dizem que o conteúdo é falso”, diz Levy à Atlantic. “Eles dizem que, bem, não podemos ter a certeza de que esta pessoa é um cliente. Ninguém desta cidade que use um pseudónimo está na nossa base de dados. Bem, claro! É um pseudónimo.” A empresa não apresentou provas de que estava a ser difamada e o tribunal não requereu essas provas.
O advogado refere casos semelhantes nos estados de Delaware, Maryland, Arizona, Califórnia, Texas, New Hampshire ou Indiana em que essa prova foi exigida. Contudo, frisa a Atlantic, esses juízes estavam a ter em conta a lei geral e não a lei estadual. Na Virgínia, basta ao queixoso ter uma “base legítima, de boa-fé”, de que está a ser vítima de um ataque.
A questão da constitucionalidade da lei estadual tem sido levantada, mas o Tribunal de Recurso da Virgínia recusa partir do pressuposto de que a norma em causa seja contrária à lei geral. “O discurso difamatório não tem direito a protecção constitucional”, lê-se na sentença.
A Atlantic recorda que o Supremo norte-americano tem, “repetidamente”, protegido o direito a falar anonimamente. Em 1960, reconheceu que a informação divulgada ao abrigo do anonimato desempenhou “um importante papel no progresso da humanidade”. Mas o mundo mudou e, agora, empresas como a Hadeed, que se sentem lesadas de forma permanente e muito pública, querem assegurar-se de que do outro lado não é uma concorrente que as está a criticar. Querem conhecer os clientes decontentes (para eventualmente os processar). E podem chegar até eles, através de intermediários como o Yelp – que nem sempre estão dispostos a colaborar.
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